23 janeiro, 2013

Igualdade e diversidade na Umbanda

Igualdade e diversidade na Umbanda: um exercício de alteridade e de religiosidade, em um universo religioso plural.

Eu sou igual a você? Tem certeza? Ou somos diversos, mas semelhantes?

Como você definiria um ser humano?

Começaria pelo DNA, a estrutura óssea, pela muscular, cor da pele, pelos tipos e cores dos cabelos, pela forma e cores dos olhos, pelas cores dos dentes e suas formas... Talvez pelo temperamento, comportamento, hábitos, línguas... Ou seria pelas crenças, culturas religiosas, expressões de fé, formas de sentir e manifestar Deus ou os Deuses?

Parece fácil, mas não é fácil definir o que é o ser humano, seja no biológico, no psicológico ou no espiritual. Isso porque somos da mesma espécie, Homo Sapiens, mas somos tão diversos, tão plurais em nosso modo de ser, pensar, manifestar e crer que é um grande exercício nos definir.

Vamos tentar fazer algo mais fácil: vamos definir Deus, já que a criatura é tão complexa, vamos ao criador... Piorou? Tá difícil? Complicou?

Bem, vamos então para a religião. Qual é a verdadeira religião feita por Deus? Uhmmmm... bem... qual é a verdadeira verdade de fé, única e absoluta para esse nosso planeta chamado Terra? Enrolou a sua cabeça?

Interessante, pois as pessoas tentam definir ou chegar perto de uma definição de religião, mas é tão difícil quanto definir o que é um ser humano, ou definir o que é ou como é Deus. Isso porque é complexo, e é uma visão que nunca abrange a tudo e a todos. Sejam aqueles que creem em um mesmo Deus ou que fazem parde de um mesmo conjunto religioso.

Particularmente no caso da Umbanda, existem tentativas de especificar ou generalizar o que ela é, mas pela prática de um ou de outro, naquilo que aquele setor, aquela ramificação, aquela forma de Umbanda pratica, ritualiza, doutrina, acredita, como se ela fosse o todo.

Alguns até dizem: foi Zélio, o Caboclo das Sete Encruzilhadas que fundou a Umbanda e a ele todos devem seguir em cada palavra, em sua forma de culto (falam, mas todos fazem a Umbanda de Zélio?), mas nem no Cristianismo isso aconteceu, tendo este mais de 150 vertentes Cristãs no mundo. Lembrando que uma é diferente da outra, embora cada uma acredite em Jesus ou em interpretações de Jesus ou em coisas que disseram de Jesus ou... Até com Jesus existem várias formas de vê-lo, senti-lo, adorá-lo, segui-lo... de acreditar. Porém, cada uma das formas de crença em Jesus, se diz que é a verdadeira, seja na palavra de salvação, seja na sua forma de rito e culto.

"Só Jesus salva!" Mas e as outras religiões que não são Cristãs, ninguém será salvo? É tudo mentira?

Será que dentro da visão de diversidade e pluralidade a Umbanda é diferente do Cristianismo? Existe uma única forma de Umbanda para todos? Existe a Umbanda verdadeira? Quem ela é? Existe uma única forma de culto, rito, doutrina, manifestação e adoração às divindades e guias na Umbanda? Ou existem várias Umbandas que formam um grande conjunto religioso, nomeado simplesmente como Umbanda?

Ao meu ver todas as formas de Umbanda são verdadeiras. Não se pode desqualificá-las por ter ou deixar de ter ritos, formas, doutrinas, fundamentos, diferentes uns dos outros. Na realidade, o que irá dizer a sua verdade é o que ela faz de maneira digna, honesta, caridosa, na fé, na crença, nas atitudes, na preocupação e no zelo com o próximo; em sua moral e na expressão dessa moral, compromissada com uma ética de conduta, que não machuque o ser humano em sua mente, fé, corpo, moral ou espiritualidade; onde haja compromisso seguro e farto com o outro, no cuidado e educação do outro dentro daquela fé, onde haja respeito pelo que é feito em termos de religiosidade, seja para e com os guias, seja para e com os Orixás; onde exista respeito pelo que o outro faz como Umbanda, sem vaidades, medos, arrogância, sem tentar denegrir o outro, só porque não se entende o que ele faz ou por ser diferente do que fazemos, mas que haja amor fraterno às diferenças e, acima de tudo respeito a essas diferenças, com certeza, ali existe uma forma de Umbanda.

É fácil desqualificar, denegrir e diferenciar o outro, mas é tão difícil ser irmão, solidário, ter pensamento plural e reconhecer o outro como seu igual. É claro que existem pontos de referência e igualdade, mas é mais fácil ver o diferente e recriminá-lo, do que tratá-lo com respeito e igualdade.

Nisso perdemos a união, o respeito, a capacidade de nos juntar nas dificuldades, agindo pior do que aqueles que nos aviltam, nos denigrem, sejam em palavra ou na depredação de nossas casas, pois pior do que o preconceito inter-religioso (entre religiões), é o preconceito intra-religioso (dentro da religião). Porque esse maltrata mais, dói mais, e é sentido muito mais profundamente, pois é um preconceito oriundo da ignorância, do desconhecimento do outro ou sobre o que o outro faz e é: como ente religioso, como casa religiosa, como membro de uma espiritualidade, como parte de um conjunto religioso.

Vivemos uma espécie de "apartheid religioso" dentro da Umbanda, onde todas ou a maioria das ramificações de Umbanda querem ser "A Umbanda", e, com isso, discriminam e desqualificam umas as outras, principalmente as Umbandas que têm fundamentações africanistas (Omolokô, Almas e Angola...). Estas são vistas como não Umbanda, deturpadoras, "Umbandomblés", "Macumbas"... Algo atrasado e primitivo, longe da evolução e da luz que representa a verdadeira Umbanda. Ou seja, um grande preconceito ou uma grande ignorância que se iniciou nos anos 30 do séc. XX, e perdura até os dias de hoje.

A realidade cruel é que na ignorância e na vaidade pelo todo (poder, imposição de uma forma sobre as outras), em se ver como o todo, geramos o preconceito sobre o que nos fere os olhos, só porque não o aceitamos, só porque não entendemos, só porque não o reconhecemos como um igual, porque não queremos aceitá-lo como um igual: "Queremos ser únicos, verdadeiros, evoluídos, perfeitos em nome de uma espiritualidade, em nome de Deus, e impor o que fazemos ao todo, pois acreditamos que aquilo que fazemos como Umbanda é o certo, é legítimo e assim todos devem proceder, pois é o correto."

Só que Deus fez o diverso, o desigual, a pluralidade no mundo e entre os seres humanos, e entre as religiões e dentro das religiões.

Negar o diverso, o plural, as diferenças, é negar a Deus em sua obra, é negar o próprio Deus.

Só seremos fortes e unidos se nos aceitarmos uns aos outros; só conseguiremos atingir a sociedade (mais diversa e plural que a própria Umbanda) se respeitarmos as nossas diferenças internas e aprendermos a conviver, harmonicamente, com elas; só cresceremos se deixarmos de querer ser praia, nos contentando em ser pequenas pedras de uma grande praia chamada Umbanda.

Que Yemanjá, senhora das cabeças, possa iluminar nossas cabeças e nossas mentes, para que haja menos preconceito entre os Umbandistas e entre as diversas Umbandas, e mais diálogo, mais entendimento e mais união.


Texto de Pai Etiene Sales

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