21 dezembro, 2013

Por que as pessoas ficam tristes no Natal?

Já chegava o final do ano, e as pessoas já traziam nos olhos aquele ar de imenso cansaço de quem vê mais um tempo se fechando na própria vida.

A menina tinha aquela estranha argúcia das crianças, para quem alguns detalhes da vida nunca passam despercebidos.

- Vó?

- Oi!

- Por que as pessoas ficam tristes no Natal?

A vovó estava tomando seu café, e quase engasgou com a pergunta. Essas conversas a gente sabe como começam, mas como vão terminar...

- Por que você está perguntando isso, meu bem?

- Porque eu vejo, vovó. No Natal, parece que só tem gente feliz dentro da televisão.

Mal pode conter o riso, da inteligência vivaz daquela menina.

- Sabe, querida, acho que as pessoas confundem um pouco as datas.

- Como assim?

- Algumas pessoas confundem o Natal com o Dia de Finados. Você sabe o que quer dizer o Dia dos Mortos?

Olhou para ela com aquela cara de mais ou menos.

- No dia de Finados, lembramos das pessoas que não estão mais aqui nessa dimensão com a gente. Visitamos, levamos flores e conversamos com essas pessoas que moram em nossos corações, mesmo tendo partido de nosso convívio.

- Você vai visitar o vovô no dia dos Mortos, não é, vovó?

- Sim, meu bem, eu vou fazer uma visita para ele em meu coração. Converso, conto as novidades e fico com saudades das conversas que eu tinha no alpendre com seu avô.

- Por que você não vai ao cemitério, como todo mundo?

- Porque eu combinei com seu avô que iria encontrá-lo aqui na varanda, no alpendre, no pomar, nos lugares em que o nosso amor ainda está lá, vibrando, como uma música...

A menina era curiosa mas não inconveniente. Percebeu que a vovó estava muito emocionada e não queria vê-la chorar.

A vovó, como sempre, adivinhou seus pensamentos.

- Pode continuar perguntando as coisas, meu bem... A vovó se emociona um pouco mas aguenta o tranco...

- Vó?

- Oi!?

- O que tem a ver Finados com o Natal?

- Algumas pessoas ficam tristes no Natal porque se lembram dos entes queridos que não estão mais ali. Olham para as mesas, as comidas, a árvore de Natal e só conseguem lembrar de festas antigas, onde a casa estava cheia, os filhos eram pequenos e a vida era mais simples. Vai passando o tempo e as pessoas ficam com essa coisa, essa doença de fim de ano que se chama Antigamente-que-o-Natal-era-bom, e ficam suspirando na mesa com saudade de outros tempos, outras épocas. Isso que é um Natal-Finados, meu bem. Um Natal em que as pessoas ficam todas tão preocupadas com as perdas que não notam o encanto das crianças com o Papai Noel, nem a graça de mais uma vez reunir os vivos e aproveitar quem está ali em vez de pensar em quem partiu.

- E por que as pessoas tem saudade no Natal e não no dia de Finados?

- Acho que porque as pessoas acham feio ter um dia para a tristeza, meu amor. Acham que devemos ter datas só para alegrias. Mas até o Carnaval tem a Quarta-feira de Cinzas para a gente ficar triste...

A menina coçou a cabeça, o que era sempre um sinal de que iria desfechar uma daquelas perguntas sem resposta que a vovó temia.

- Mas, vó?

- Fala...

- Por que as pessoas tem que ficar felizes no Natal?

Pronto. Inverteu a pergunta, pensou a vovó.

- Você falou que as pessoas só ficam felizes na televisão.

- Isso.

- Bem, minha querida, tem uma alegria de plástico na televisão. Uma alegria de Loja de Departamentos que não tem nada a ver com o Natal. Isso também deixa as pessoas muito tristes.

- Por que?

- Porque elas olham aquelas pessoas rindo, as famílias numerosas e felizes, as mulheres magras e maravilhosas, os homens lindos e seguros de si, envolta de Papais Noel gordos e sorridentes e pensam: os outros tem um Natal muito melhor do que o meu...

- E para que serve isso, vovó?

- Para vender coisas, querida. Para as pessoas confundirem o Natal com os presentes, o que também é uma bobagem.

Dessa vez foi a vovó que coçou a cabeça.

- Pituca?

- Oi!

- Sabe, tem gente que nem lembra que o Natal comemora o nascimento de Jesus. Olham para o Presépio e acham que é um enfeite folclórico, com uma criança cercada de vacas e ovelhas. As pessoas perderam o sentido de Natal, meu bem, por isso não sabem mais se ficam alegres ou tristes nessa época. E você sabe qual é uma das maiores graças do Natal, meu bem?

- Qual?

- Esperar por ele. É uma delícia esperar pela festa.

- Mas...

- O que?

- Eu vou ter que esperar muito?

- Não. O Natal já está bem pertinho...

- Mas...

A vovó olhou com cara de que não-tem-mas-nem-meio-mas. A menina entendeu. Mas não deixou a velha senhora sem uma última pergunta.

- Vó?

- Oi!

- Quando você morrer, meu Natal vai ficar triste?

A vovó aconchegou a menina, que já tinha algumas lágrimas querendo sair.

- Você vai ficar feliz, pois o amor que a vovó sente por você vai estar vibrando, como uma música, envolta da árvore. É lá que eu vou te encontrar, combinado?

- Combinado.

A menina teve uma estranha sensação, como se uma rena tivesse passado pela janela.

Devia ser um sonho de Natal.


Texto enviado por Vilmar Gonzaga

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